A publicação da vasta obra de Christophe Chabouté é recente no Brasil. Em 2017 a editora Pipoca & Nanquim trouxe Moby Dick, quadrinho adaptado da obra literária de Herman Melville, e desde então todo ano publica um álbum do francês para o público brasileiro. Este ano [2020] recém publicou Henri Désiré Landru, onde o autor reconta a história de um famoso assassino francês, e ano passado Solitário, história sobre um faroleiro vivendo isolado que ecoa o sentimento angustiante de tantos que tiveram de se isolar este ano devido à pandemia.
Em 2018 tivemos a publicação de Um pedaço de madeira e aço, quadrinho sem texto onde o leitor acompanha um banco de praça e os personagens que o visitam. A história começa com um menino usando um canivete para marcar as iniciais dele e de sua namorada, que o acompanha, na madeira do banco. Ele acaba cortando o dedo e então os dois saem de cena, deixando o leitor para trás junto do pedaço de madeira e aço a observar as novas figuras que passarão por ali.
Um casal de idosos. Um morador de rua. Um policial. Três amigas a conversar. Um bebê e seu pai. Um cachorro marcando território. Alguém a caminho do trabalho. Alguém esperando por outro alguém... Assim como o menino marcava sua presença ali no começo da história, e era marcado pelo machucado que sofreu, muitos outros que por ali passarão deixarão sua marca e serão marcados no cenário.
A ausência de “som” faz com que a atenção do leitor se transfira totalmente para a arte, que o aproxima de todos os personagens que ganham profundidade à medida que se mostram em suas particularidades. Tanto o som e o excesso de diálogos no cinema, como o excesso de texto em histórias em quadrinhos, muitas vezes afastam o olhar do público para outros aspectos de linguagem das mídias visuais. Por essa perspectiva, a obra serve como possibilidade para treinar o olhar do leitor de quadrinhos, que pode identificar no enquadramento, na passagem de quadros, nas expressões corporais e faciais, entre outros, as outras formas que também constituem o contar da história.
História essa que não se vale de uma grande jornada ou uma grande cadeia de eventos. É a história de um cotidiano vivo que abriga toda uma variedade de sentimentos. A passagem do inverno por exemplo, na ausência da presença humana, isola o leitor e o banco em melancolia. Em outro momento, de chuva pesada, vemos o cachorro se abrigar embaixo do banco e sentimos sua solidão, na falta de um lar ou de alguém que o acompanhe. Assim como sentimos a alegria de um casal que senta no banco para repartir e comer um doce, em perfeita harmonia.
Pode-se apontar presença e ausência como tônicas da história, tanto na questão das idas e vindas das pessoas ao cenário, como na forma como algumas delas se envolvem umas com as outras. Observando esse simples objeto que dá lugar para a presença humana se desenvolver em acontecimentos e se mostrar em profundidade, o leitor pode voltar o olhar posteriormente para os lugares à sua volta, e para a presença humana neles, mais sensibilizado à vida que o cerca. É uma obra que nos faz olhar de perto para os relacionamentos humanos, para a vida cotidiana, e para a importância de, mais do que viver, perceber e sentir aquilo que vivemos.