[Spoilers, claro]
A segunda temporada de Pacificador é uma alegoria à depressão e ideação suicida. Não à toa o primeiro episódio termina com Chris Smith, o Pacificador, assassinando a si mesmo, ainda que de outra realidade (uma versão do Pacificador, mas de outro universo).
Chris tem essa porta para outras realidades dentro de casa. É uma porta que o leva para dentro de um espaço (um tipo de nexo para outros universos) onde há 99 outras portas que dão acesso a 99 universos diferentes. Ele nunca explorou esses outros universos, ou até mesmo, aparentemente, encontrou alguém de outra realidade, com exceção de um ser estranho que nunca retribuía seu oi.
Então no primeiro episódio ele descobre um mundo muito parecido com o seu quando o adentra passando por uma das outras portas, e nesse mundo encontra uma vida aparentemente perfeita — é claro, é esperado que a idealização não se concretize ao final da temporada. Nessa outra Terra, ele tem a afeição do pai, seu irmão está vivo, e ele é adorado pela população como um grande herói. É adentrando esse novo mundo que ele encontrará consigo mesmo, será atacado, e, tentando se defender, acabará assassinando esse outro Chris.
Conforme a temporada avança (escrevo esse texto pensando os cinco episódios lançados até aqui), Chris vai perdendo a esperança, o que soma ao sentimento de culpa que carrega desde a infância e que se intensificou em tempos recentes, e sua falta de perspectiva se revela intensa conforme observamos a apatia e melancolia crescentes no personagem ao longo dos episódios.
Apatia e melancolia que o próprio tenta esconder, e em certo nível consegue, mas que são percebidas na história por sua melhor amiga, Adebayo (Danielle Brooks). Quando o Pacificador decide, ao final do episódio cinco, deixar sua vida para trás, que na trama da história significa abandonar sua realidade para viver aquela outra, ele o faz deixando uma carta de despedida em sua casa para que os amigos encontrem. É admirável como James Gunn se vale de toda munição lúdica que um universo como o da DC oferece para construir brilhantemente uma trama sobre depressão e suicídio.
Quando assisti a cena do personagem matando a si mesmo (novamente, a sua versão de outra realidade) no primeiro episódio, ainda não havia percebido o paralelo, pensando-a mais como cena que servia para simbolizar e evidenciar a conclusão da jornada testemunhada na primeira temporada, isto é, a morte do Pacificador que vimos em Esquadrão Suicida (2021). Também porque, por um lado, a série segue leve, divertida, e engraçada. Por outro, tem todo o peso dramático já presente na temporada anterior intensificado. E conforme esse peso intensificou, a alegoria foi ficando evidente. Mas o que me fez de fato entender assim foi o reconhecimento a partir da atuação de John Cena, novamente brilhante no papel, que entrega com sutileza precisa uma atuação que evidencia depressão.
Há ainda três episódios a serem lançados na temporada. O final do episódio cinco é comovente e pode ser até pesado aos mais sensíveis ao assunto. Refiro-me à cena em que os amigos leem a carta que Chris deixou para trás, ao som de November Rain. Na verdade, a cena é de partir o coração. A letra e o clipe de November Rain foram inspirados no conto Without You, de Del James, cujos sentimentos evocados se assemelham aos do protagonista de Pacificador. Trauma, isolamento, desesperança. Coincidentemente assistimos a série no Brasil em setembro.






