O Magnífico Jornal da Belle de Ana Suzuki [Resenha]
(bichos aloprados, três elas e mais gente, um pênis super fino e longo, um suposto gato que é um guaxinim, uma pequena maga lutadora e mais)
Eu não costumo frequentar o Instagram. Conheci o canal motoca suzuki no YouTube não sei bem como [Mentira, lembrei. Eu estava pesquisando vídeos sobre obras do ou sobre o Daniel Clowes, e esbarrei com o vídeo NÃO CONFIE EM CARECAS! — eu, careca que sou, não podia ignorar] e logo me inscrevi e depois de alguns vídeos assistidos também fui seguir a Ana Suzuki no Instagram. Mas não costumo frequentar o Instagram. Então não fiquei sabendo que ela estava fazendo uma zine. Descobri quando já tinha acontecido. Pensei, Poxa, queria ter comprado essa zine…
Passado um tempo vejo um story dela lamentando algum problema na impressão de uma nova leva da sua zine e dizendo que quem quisesse comprar mandasse uma DM. Pensei, Oba. Comprei. Hoje cheguei em casa um tanto abatido por razões de motivos e passado o portão vejo que havia chegado a zine da Suzuki: O MAGNÍFICO JORNAL DA BELLE. O abatimento passou, me vi feliz. E li.
O Magnífico Jornal da Belle de Ana Suzuki
O gibi tem diversas histórias curtas e uma mais longa ao final e nos apresenta personagens que refletem uma mesma figura, a personagem principal, que mesmo em sua default skin se apresenta em multiplicidade. Em uma história ela começa a contar um sonho que teve e quando alcança o detalhe do sonho que já havia anunciado no começo ela até meio que se arrepende de estar compartilhando aquele sonho com quem a escuta. Em uma outra ela simplesmente compartilha pensamentos avulsos sem nenhum motivo específico. Em outra ela fala em voz alta “Porra falar com você é uma chatice do caralho” para alguém e logo se desculpa dizendo que só estava pensando alto.
Uma das primeiras histórias estrela um guaxinim que parece um gato, e esse Gato Diabo aparece também protagonizando a maior parte da história final, mais longa. Talvez o Gato Diabo seja a estrela do show, e se não for, com certeza ele tem carisma para ganhar um título próprio um dia; uma revista toda só para ele, e já até tem, nessas duas histórias, um forte elenco de coadjuvantes para acompanhá-lo. A Pequena Maga Lutadora também encanta, acompanhada de uma figura felina sombria que a provoca e tenta quebrar seu espírito (quase uma sombra representativa de pensamentos que fazem alguém duvidar de si mesmo), ela não diz nada, mas diz muito ao mesmo tempo. É um personagem quieto mas que é tão bem caracterizado (em expressões, na composição, e no silêncio em contraste) que também deixa sua marca ao longo da leitura.
E o quadrinho é hilário. Eu acho que não teve uma história que não tenha me feito rir. No texto em si e na ideia, desatrelando-a do quadrinho (como se eu só imaginasse alguém me contando), a coisa já é engraçada, mas a arte ainda intensifica o humor e por vezes ela por si já gera o riso, como quando o Gato Diabo começa a se comover ouvindo Creep. Eu também ri muito com o bigode autobiográfico (inclusive tem uma interatividade aqui; é uma página com um concurso de bigodes e o leitor pode entrar em um site para votar no seu favorito), com as tímidas manchas do guaxinim, com o final de Pensamentos Avulsos quando descobri (ao mesmo tempo que ele se deu conta) que o guaxinim estava na verdade pensando sobre muitas coisas, e, em especial, ri demais com a história que abre a zine, Mal pra Cachorro.
Para além das referências mais evidentes ou até mesmo já citadas pela Suzuki em vídeo, esse seu primeiro trabalho também me faz pensar em primeiros trabalhos de outros autores que viriam a se tornar quadrinistas consagrados, como Adrian Tomine em seus primeiros quadrinhos na Optic Nerve, ou Gabrielle Bell (mais especificamente as histórias posteriormente compiladas em Lucky), e outros autores que seguiram caminho semelhante em primeiros trabalhos (o de fazer de uma primeira publicação independente um laboratório de ideias e ao mesmo tempo um exercício criativo). E me impressionou ser um primeiro trabalho já com um estilo tão bem definido e com domínio narrativo consistente, e que também se apresenta como um fluxo de consciência (as histórias parecem que saíram orgânica e naturalmente da cabeça da autora direto para a página) que nos apresenta um universo particular rico em personagens e personalidade.
Na contracapa o Gato Diabo aparece para se despedir dizendo “Até uma próxima, eu acho”, e eu mal posso esperar.